16 de setembro de 2010

O ABRAÇO DO DUARTE

Sísifo, fotografia de Zeltia


Quando há dias escrevi aqui sobre a desilusão, fiquei com a leve impressão que o texto deixava transcrever, ou assim o pareceram interpretar, algo de negativo. É verdade que a desilusão não nos faz sentir esse sentimento a que chamamos alegria... provoca dor e sofrimento. Mas isso não é necessariamente negativo. Os sentimentos, tal como os valores, persistem porque neles estão gravadas oposições.

O que é que tudo isto tem a ver com o abraço do Duarte?


O Duarte é um menino de quatro anos que possui um abraço verdadeiramente extraordinário. Quando nos abraça, não são só dois bracinhos que nos envolvem, mas é o próprio Duarte, corpo e alma, ele está todo ali, dá-se inteiro... e nesses breves instantes em que o abraço dura, a alegria toma conta do universo.
A felicidade não se torna mais ou menos efectiva por causa do abraço do Duarte, mas é por vivermos esse instante que podemos garantir que ela existe.
Infelizmente, parece que a condição humana nos leva a valorizar mais o momento da desilusão que o momento do abraço. E, no entanto, a alegria reside precisamente na nossa capacidade de respirar o momento do abraço.
Pode parecer incongruente, mas sobre este tema da alegria, nenhum poema me veio à memória, mas tão só o mito de Sísifo, o herói absurdo, como Camus lhe chama, condenado a empurrar eternamente um rochedo até ao cimo de uma montanha, de onde a pedra cairá de novo, para ele, com esforço e dor, a voltar a empurrar. Parece um destino trágico, mas curiosamente, eu vejo Sísifo como um herói feliz, mesmo que absurdo. Imagino que ele, conhecedor do seu destino, se sinta livre para em cada paragem, em cada descida da montanha, poder respirar cada momento de prazer que lhe é dado: a frescura do ar que respira, a beleza da gota de suor a deslizar sobre a pele, o cheiro da terra... Sísifo não tem necessariamente que viver atormentado por a dor que o espera ao fim de cada descida, pode antes viver feliz pela expectativa do que o espera ao fim de cada subida... O seu destino não está na única finalidade que os deuses lhe impuseram, está naquilo que ele faz em cada instante durante a sua árdua tarefa.
Imagino, pois, de vez em quando, Sísifo abraçado ao Duarte.