3 de outubro de 2010

Da necessidade de ser humano

À falta de tempo para mais, aqui vai mais um poema da minha autoria, escrito o ano passado e que, se para mais não servir, que nos permita reflectir sobre o significado de sermos humanos.

O momento exato da morte de um soldado republicano durante a guerra civil espanhola.
Fotografia de Robert Capa.


Definição

Não são só as vestes
nem as cores,
nem sequer as lágrimas…

E são apenas testes
os louvores
a que nos condenam as palavras.

Não são só as formas
nem os temores
que definem as almas incrustadas,

nem tão pouco o sangue,
nem o próprio sémen,
nem o ventre,
nem o amor,
nem a própria vida,
nem sequer a dor,
nem as despedidas…

E são apenas feridas,
os rancores
que nos consomem o tempo.

Nem é, porventura, o desencanto,
também não é o espanto,
nem o pranto de quem sonha,
nem a culpa,
nem a vergonha…
Nem a lisura de espírito,
nem a ausência de tacto,
nem a inocência perdida,
nem a cisão do macaco…

Para o Homem que não és…
Nem adjectivo contido,
nem artigo definido,
nem complemento directo,
nem metáfora falhada,
nem frase inacabada,
nem pronome possessivo…

Para o Homem que não és
não há ainda padrão,
nem sequer definição,
não há ainda um senão
para o homem que não és…

Não são apenas as vestes,
nem sequer o que as sustem,
para o Homem que não somos
nada há que nos convém,
a não ser o arrepio
de ser vivo e ser ninguém,
de quem não sabe quem é,
de quem não sabe que é
uma invenção desleixada
alheia à própria ciência,
pois quem não cumpre um propósito
não pode ter consciência
que nem é sombra de si próprio,
é matéria inconsciente,
é extensão, volume e peso,
uma coisa inconsistente
que outros que tais consomem…
Pode ser tudo o que queira
mas não é decerto o Homem!

1 comentário:

Unknown disse...

Para te deixar o meu franco sorriso e dizer que gosto muito do que escreves.
Ana