30 de julho de 2010

UMA ESTÁTUA PARA HERODES

Aqui vai mais um tema para meditar, com alguma polémica à mistura...



Isabelle Fuhrman, numa imagem do filme A Órfã, de Jaume Collet-Serra




JAMAIS VI COISA MAIS FEROZ DO QUE UM RISO DE CRIANÇA


Confesso que tive algumas dúvidas sobre abordar ou não este tema, assim como no poema para o ilustrar. Vários se insinuaram no meu cérebro e, mais por intuição do que por preceitos da razão, eis que surgiu o Jura, de Antero de Quental, que a seguir é transcrito.
Quanto à minha dúvida sobre o tema prendeu-se essencialmente com a ideia de que, actualmente, tudo o que seja feito e dito a bem da liberdade da criança (como se ela tivesse suficiente consciência do que é ser livre) parecer um bem, tudo o resto tende a ser considerado socialmente mal visto, como dar-lhe uma palmada, submetê-la a uma disciplina ou fazê-la associar os seus direitos aos seus deveres…
A verdade é que no Domingo passado fui passear com cinco dos meus seis sobrinhos de quem gosto muito (o mais novo com 21 meses e a mais velha com 20 anos) e dei comigo a pensar num pequeno livro que Natália Correia escreveu chamado Uma Estátua para Herodes. Herodes (O Grande), como muitos saberão, foi um líder político romano, matou três dos seus dez filhos, por tentativa de conspiração e, segundo Mateus 2:1-16, assassinou as crianças de Belém, numa tentativa de encontrar e matar Jesus quando bebé. Muitas histórias se contaram entretanto sobre Herodes e as crianças.
Não pretendo defender aqui, como é óbvio, que as crianças devam ser maltratadas nem sequer que qualquer dos meus sobrinhos deveria ser levado à presença de Herodes. Na verdade não tenho muito que me queixar de qualquer deles, para além do facto de, por vezes, quando o cansaço já se apoderou de mim, desejar que fossem todos adultos. E este ponto parece-me importante – perceber que as crianças não são adultos, nem porventura terão em si o que de melhor há nestes – isto é um mito. E, se assim é, não se lhes deve reservar muitos dos direitos dos adultos. E o direito à liberdade é um deles…
Outro dos mitos acerca das crianças é que elas são uma espécie de anjos que desceram sobre a terra – não são – as crianças são seres humanos e potencialmente pessoas, no sentido moral do conceito. E se isso lhes dá uma espontaneidade que por vezes nos surpreende pelo que tem de belo, de afável e de meigo, por outro lado inquieta-nos pela agressividade e crueldade despudoradas que emanam dos seus pensamentos e acções.


Dizia kant que devemos recordar que a pomba só voa por causa da resistência do ar... façam-me pois um favor - ensinem as vossas crianças a voar!




JURA


Pelas rugas da fronte que medita...
Pelo olhar que interroga — e não vê nada...
Pela miséria e pela mão gelada
Que apaga a estrela que nossa alma fita...

Pelo estertor da chama que crepita
No último arranco d'uma luz minguada...
Pelo grito feroz da abandonada
Que um momento de amante fez maldita...

Por quanto há de fatal, que quanto há misto
De sombra e de pavor sob uma lousa...
Oh pomba meiga, pomba de esperança!

Eu t'o juro, menina, tenho visto
Cousas terriveis — mas jamais vi cousa
Mais feroz do que um riso de criança!



(Antero de Quental, Sonetos)

2 comentários:

oasis dossonhos disse...

Cristina, meu cálice de vinho do Porto contra a astenia. Meu anjo desinquietador. Saravá

Unknown disse...

ensinem as vossas crianças a voar...
a enfrentar a resistência do ar ...
mas mimem-nas com o olhar atento da ternura e o afago quentinho do afecto, pois se assim não fôr não saberão dar o que nunca aprenderam a receber.
bj
ana