9 de agosto de 2010

De repente, não mais que de repente...


Jeremy Irons no filme Irmãos Inseparáveis (Dead rings) de David Cronenberg

Dia 9 de Agosto seria o dia de aniversário do Ricardo - morreu há alguns anos atrás, com 29 anos e uma carreira brilhante na medicina (e também na vida, acrescento...).
Para quem não o conheceu, este é mais um nome, poderá haver uma leitura mais emocional consoante as características que eu lhe for atribuindo, mas para mim, foi mais um pedacinho arrancado de mim. A propósito dele, e sobretudo por ele, não é de morte que hoje vou falar, ou não especificamente da morte física, mas da separação.
Muitos autores já referiram que a emoção tem a ver com a distância - sentimo-nos mais afectados quando nos contam que o filho da vizinha partiu uma perna e, por isso, não pode ir à final do concurso de dança do que quando ouvimos dizer que todos os dias morrem à fome, em África, centenas de crianças. Eu sinto-me tentada a concordar com esta tese, mas acrescentaria que esta distância não é espacial, mas afectiva - sentir-me-ía mais triste se um amigo sofresse com o fim de uma relação amorosa na Austrália do que com o possível divórcio do vizinho.
O que acontece é que há pessoas com quem estabelecemos laços, uma espécie de fios invisíveis que nos unem. Podemos é perguntarmo-nos porquê esta necessidade humana (e não só) de criar laços? Se fugirmos à resposta banal de que fazemos isso porque faz parte da nossa natureza, a questão torna-se um pouco mais complexa.
Eu, por mim, gosto de pensar, influenciada pelas filosofias orientais, que fazemos parte de uma unidade e que a ligação com o outro não é mais do que o reconhecimento de que fazemos parte dessa unidade. Por isso se torna dolorosa a separação, é como se intuíssemos que o movimento correcto vai no sentido da união e não o inverso. Note-se, a este propósito, por exemplo, que, pelo menos para a maioria das crianças, a soma e a multiplicação parecem mais naturais do que a divisão e a subtração e, consequentemente, mais fáceis de compreender.






SONETO DE SEPARAÇÃO

De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente

Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.

Vinícius de Moraes

2 comentários:

CC disse...

Conheço bem a dor de perder um amigo para a morte.Conheço bem a dor de lembrar-me de momentos, mas sabes, continuam esses meus amados mortos a fazer-me companhia, e nunca me esqueço da sua data de aniversário: nunca os retirei da minha agenda, nunca os deixarei esquecidos...
bjs de Sintra

marialascas disse...

Gostei muito do teu blog, e gosto particularmente deste poema do Vinicius que ligo a um momento da minha vida...Bjs