21 de agosto de 2010

Despida de Ternura Fatigada

Os presidentes da Rússia, Dimitri Medvedev, e dos EUA, Barack Obama durante encontro em Londres(Foto: AFP)


Nunca vos aconteceu, em determinada altura da vida, não convidarem alguém para um encontro sem que isso implique qualquer gesto de desamor? Nunca vos aconteceu provocar uma ausência apenas porque a harmonia das restantes presenças a torna necessária, tal como os momentos de silêncio numa composição musical, sem que isso signifique um decréscimo nos afectos? E já vos aconteceu também deixarem de estar presentes para alguém depois disso? E, nesse momento, já vos aconteceu terem a serenidade necessária para pensar e sentir que a vossa própria ausência poderá ser, também ela, um factor de harmonia para quaisquer presenças? Confesso que a mim já me aconteceu tudo isto...
O que me é difícil ainda perceber é que a minha ausência seja uma resposta directa do outro à sua própria ausência, que alguém tenha que justificar esse gesto com qualquer justificação que não seja: "O nosso amor assim o exigiu" - mesmo que a razão não lhe assista. O que não devia existir é a desculpa politicamente correcta, porque isso implica culpa e a culpa implica intencionalidade.
O amor, seja ele qual for, não é contrato, é livre, não tem que exigir moeda de troca: não se convida alguém de que realmente se gosta porque também fomos convidados, não se oferecem prendas por prazer porque também nos ofereceram, não amamos porque somos amados.
A obrigatoriedade não pode fazer parte dos afectos, o comércio faz parte de outra dimensão.


Os Amigos

Os amigos amei
despido de ternura
fatigada;
uns iam, outros vinham,
a nenhum perguntava
porque partia,
porque ficava;
era pouco o que tinha,
pouco o que dava,
mas também só queria
partilhar
a sede de alegria —
por mais amarga.

Eugénio de Andrade in Coração do Dia

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